Comer carne vermelha aumenta o risco de câncer?

Por que estão falando tanto deste assunto?

A agência para assuntos relacionados ao câncer da OMS (Organização Mundial de Saúde), chamada IARC (International Agency for Research on Cancer) publicou no dia 26 uma nota contendo sua avaliação dos resultados de diversos estudos sobre hábitos alimentares e câncer (particularmente consumo de carne vermelha/processada e câncer de colo do reto).

Em resumo, tal nota afirma que “o consumo de carne vermelha provavelmente é carcinogênico para humanos e que carne processada causa câncer”.  Sim, eles usaram a palavra “causa”.

Muitos grandes portais de notícias do mundo alardearam tais conclusões, em maior ou menor medida, de forma sensacionalista. Afinal, é um assunto importante que envolve uma doença bastante complicada e nossos hábitos cotidianos.

Sempre tenha cuidado com o que você lê por aí

Não fique apavorado com o que lê na mídia
Não fique apavorado com o que lê na mídia

Como toda notícia relacionada a estudos científicos, tem que ser analisada com calma, afinal, não é porque foi publicado em um portal de internet que automaticamente tem status de verdade absoluta. Poderia citar aqui um milhão de “estudos científicos” publicados por canais de notícias que simplesmente não merecem atenção.

E é isso que pretendo fazer aqui: analisar as conclusões desta nota com calma usando como apoio alguns textos publicados por profissionais relevantes no assunto dieta-saúde, como Dr Souto, Mark Sisson, Zoe Harcombe, Paleo Mom e Dr Alexandre Feldman (links/referências no final deste post).

Antes de seguir, pense nisso: correlação significa causalidade?

correlacao-nao-explica-causalidade

Veja este gráfico que correlaciona a fatia de mercado do navegador Internet Explorer com a taxa de homicídios nos Estados Unidos. Olhando apenas para os números, dá pra dizer que quanto mais usarmos outros navegadores, menos pessoas morrerão assassinadas nos EUA.

Felizmente, correlação numérica não implica automaticamente relação de causalidade (X causa Y). O máximo que podemos fazer é criar uma hipótese-pergunta (X causa Y?) e a partir dela, iniciar outras investigações.

No caso deste gráfico, é óbvio que X não causa Y e nem precisamos nos dar ao trabalho de investigar mais a fundo, certo? 😉

Portanto, repita quantas vezes forem necessárias até que isso fique gravado em seu cérebro: correlação matemática não implica causalidade.

Como, então, estudos científicos podem chegar mais próximos à relação de causalidade?

Veja esta boa definição da Zoe Harcombe: “O padrão ouro de evidência é uma meta-análise de estudos randomizados controlados – agrupamento em conjunto de estudos onde uma intervenção foi comparada contra um grupo de controle para ver qual o impacto que A teve sobre B.”

Se você quiser aprofundar seu conhecimento sobre este assunto, leia este post do Dr Souto.

Os estudos usados na análise da OMS são observacionais

Estudos observacionais acompanham um grupo de pessoas ao longo do tempo (não há comparação com um grupo de controle), medindo os marcadores desejados no início (linha de base/comparação) e após períodos definidos de tempo. Da comparação destes marcadores, tenta-se tirar conclusões relevantes estatisticamente.

Ou seja, primeiro cuidado com as conclusões da análise da OMS: elas não seguem o padrão ouro de evidência científica para se chegar à conclusões de causa-efeito.

Outro ponto interessante a respeito dos estudos usados pela IARC/OMS é a coleta de dados. Na maioria das vezes, só é possível “medir” hábitos através de questionários preenchidos com respostas dadas pelos participantes. Assim, para saber se a pessoa come carne ou não, por exemplo, o questionário contém perguntas como: “O que você comeu na semana passada?” ou “Assinale a frequência semanal com que você comeu carne processada nos últimos seis meses” ou ainda “Qual é seu consumo diário médio de carne vermelha (em gramas)?”

Sentiu a dificuldade em se chegar a algo preciso com este tipo de questionário? Existem mil vieses que certamente atrapalham: as pessoas se esquecem, mentem, dão respostas que imaginam que o entrevistador queira ouvir ou simplesmente se enganam.

Existem muitos fatores de confusão

Há muitos fatores de confusão
Há muitos fatores de confusão

Será que as pessoas que comem mais carne vermelha também fumam mais? Se exercitam menos? Comem mais junk food/industrializados? Bebem mais?

Que tipo de carne vermelha estamos falando? Hambúrguer industrializado no pão? De gado alimentado à base de pasto, não confinado (grass fed)?

Colocar todas as carnes vermelhas no mesmo barco é estranho, não?

Que tipo de carne processada estamos falando? Salsicha industrializada ou bacon artesanal sem conservantes artificiais?

Zoe Harcombe diz: “O relatório da OMS deveria ter separado as formas tradicionais de conservação da carne daquelas fabricadas sob o processamento moderno (onde açúcares e produtos químicos são adicionados – basta ler o rótulo).”. Óbvio.

Cito aqui outra passagem, escrita pelo Dr Alexandre Feldman em seu Instagram (@enxaqueca), que ajuda a esclarecer este ponto:

“Acontece que a linha de base estatística para os consumidores de carnes processadas demonstra que esses indivíduos possuem maior índice de massa corporal, são menos ativos, têm probabilidade 3 vezes maior de serem fumantes e 2x maior de serem diabéticos. No melhor dos casos, poderíamos concluir que o consumo de carnes processadas seria um possível MARCADOR de um indivíduo sem saúde. Isso tudo sem falar que se deixou de lado a diferenciação entre comida “junk” e #comidadeverdade”.

Mesmo se a base científica fosse sólida, o risco absoluto é pequeno

Os textos dos portais de notícias, assim como a própria nota do IARC, afirmam que há um aumento de 18% do risco de desenvolvimento de câncer colorretal para os que comem mais carne processada. Veja a tradução literal:

“Os especialistas concluíram que a cada 50 gramas de carne processada ingeridas diariamente, há um aumento de 18% no risco de câncer colorretal.”

Como escreveu Mark Sisson em seu blog: “18% é um número alto. É quase 20%, que é basicamente 25%. Então já estamos chegando em 50% e vai daí pra pior”. É claro que ele está sendo sarcástico…

Para concluir este ponto, eu não poderia escrever melhor que a Zoe Harcombe:

“Partindo do princípio de que tudo o que a OMS fez tenha sido perfeito e que realmente havia uma diferença relativa de 18% entre os que comeram 50g de carne processada por dia e aqueles que não (e assumindo que nada mais estava impactando este estudo), o risco absoluto seria 51 pessoas por 100.000 vs. 43 pessoas por 100.000.”

Em outras palavras, mesmo sabendo que se trata de uma doença grave e nada agradável de se ter, a diferença é ínfima e o risco continua muito baixo.

Comer carne vermelha (de qualidade) tem benefícios nem sempre alardeados

Virou quase “cool” meter o pau na carne vermelha. Chama a atenção. Dá pra montar manchetes sensacionalistas em cima de “estudos” pra lá de duvidosos.

O que quase nunca se fala é que a carne vermelha tem uma ampla gama de proteínas, gorduras, vitaminas e minerais importantes para nosso corpo.

Tudo isso quer dizer que a análise da OMS não serve pra nada?

Não chegaria a tanto. É verdade que o prejuízo provavelmente vai se ser infinitamente maior que o benefício: muita gente vai ler as manchetes e reduzir drasticamente ou cortar carnes vermelhas/processadas do cardápio. Os vegetarianos/veganos vão compartilhar estas notícias milhões de vezes (como se o único tipo de carne existente fosse a vermelha, mas tudo bem), escrevendo em letras maiúsculas que já sabiam de tudo isso.

Mas, talvez sirva para um pouco de reflexão, já que existem mecanismos pelos quais o consumo de carnes vermelhas/processadas pode gerar compostos carcinogênicos. Claro que isso depende de muita coisa.

Depende da procedência da carne, do processo de fabricação (não dá pra comparar bacon artesanal sem conservantes artificiais com salsicha vendida no supermercado, dá?), de como ela é preparada (cozida, frita, grelhada), de quais outros alimentos são ingeridos juntos, frequência, quantidade entre outros fatores.

Isso não significa que se você come carne vermelha/processada, automaticamente vai ter ou aumentar suas chances de ter câncer. Calma lá!

Em seu post, o Mark Sisson discorre sobre este tema em particular.

Ou seja, podemos refletir sobre como ter uma carne vermelha/processada de melhor qualidade à mesa.

Reflita: você precisa se entupir de bacon ou salame?

Não precisa se entupir de nada. Nem de bacon!
Não precisa se entupir de nada. Nem de bacon!

Vou repetir aqui algo que venho dizendo com certa frequência em meus posts: Comida de Verdade não necessariamente é High Fat (alto teor de gordura) e nem a dieta da proteína. Vale, dado o contexto, incluir mais uma parte relevante: não precisa se entupir de carnes vermelhas/processadas (mesmo que sejam artesanais, orgânicas, grass fed ou sei-lá-o-quê).

Existem outras fontes importantes de proteínas, vitaminas e minerais que devem fazer parte de nossa dieta.

Como bem escreveu o Dr Souto:

… dentro dos princípios básicos que regem uma dieta páleo low carb, onde está o item no qual consta “você comerá grande quantidade de carne vermelha e bacon todos os dias”? Não lembro de ter visto essa recomendação. Você pode comer low carb, páleo, sem jamais colocar carne vermelha ou embutidos na boca. Literalmente, você pode comer exclusivamente peixe como sua fonte de proteínas. Seja você seguidor de low carb, ou não.

Concluindo…

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O impacto que essa polêmica toda teve em mim foi: não vou deixar de comer carne vermelha nem “processada” (só como as artesanais, sem aditivos químicos), mas talvez valha a pena pensar um pouco mais no modo de preparo (de novo, por favor leia este post do Mark Sisson), preferindo-as mal passadas ou cozidas do que bem passadas na grelha.

A carne vermelha continua sendo parte importante de minha dieta, mas sem exageros. Continuo seguindo os princípios da Comida de Verdade como sempre.

Referências

Fim do texto
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